Boneca de Porcelana


Havia certa vez, uma boneca de porcelana. Vivia caminhando, conversando, e sorrindo. Ela não parava nem na hora de comer. Quem a via se alegrava, pois não havia serzinho mais belo. Por mais frágil que fosse seu material, vivia intensamente, como se o futuro já fosse hoje, e amanhecer regalia pra poucos. Essa boneca, porém, não gostava de rótulos. Não gostava que dissessem que ela era incapaz. Por mais frágil ao toque que fosse sorria ao ser tocada.
Independente, irreverente. Era isso que ela era. Era isso e mais um pouco. Irritava-se com frequência com aqueles que a superprotegiam, deixava claro que viver é por si só um desafio. Incomodava-se muito com os aprisionamentos que queriam que ela vivesse, pura e simplesmente, por ser uma boneca de porcelana. Ela um dia se revoltou, pois a tinham feito desistir de um sonho. Chorou até não poder mais. Lágrimas de porcelana, lágrimas de fragilidade, lágrimas que pediam socorro. Ergueu a cabecinha, enxugou as lágrimas e saiu pisando forte. Não deixaria nem por um minuto que a dissessem que não podia. Que não venceria. A dor ainda inflamava o peito, os pensamentos gritavam, mas ela só sabia que precisava reagir. Fora criada de forma rude, como se não possuísse nenhum valor. Sua mãe havia dito “cuidado pra não quebrar-se por aí”. Ela ouviu, acatou, mas teimou em viver. Não queria perder nada, por ser feita pra quebrar. Parecia predestinação. Parecia que não tinha outro fim: espatifar-se um dia no chão. Caída das mãos de alguém que amasse, ou até, que sem querer magoasse. Tentaria viver, até morrer. Tentaria vencer, mesmo quando perdesse.
Essa boneca tinha um amigo. Esse, no entanto, era de vidro. “Oh, que triste sina”, ela sozinha pensava, ser a frágil amiga de um amigo frágil. Ela sabia dos seus defeitos, e mesmo assim o amava. Se ele fazia graça ela sorria, e a tristeza a deixava. Ele era leve como uma pluma, envolvente como um abraço. Ele era a fragilidade que a fazia mais forte que um pedaço de aço. Ambos assim sobreviviam, de apoiar-se mutuamente. Enquanto juntos sempre contentes. Ele aturava suas tristezas, e ela as manias dele. Tudo convergia pra que viver fosse lei e sofrer uma opção. Mesmo sendo improvavelmente predestinados a morrer no chão, não se importariam se fossem mortos um pelo outro. Pelo menos seria uma morte doce, digna e afável. O mundo ao redor gritava toda vez que eles corriam. Queriam que ficassem quietos, pra preservar a vida que tinham. Mas, eles sequer ouviam, iam correndo aos gritos. Viver séria o tédio vivo, acaso ficar parado representasse a única forma pra isso.


P.s: A imagem refere-se à boneca de porcelana do filme "Oz: Mágico e Poderoso". Mas, o texto não se baseou na personagem.

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