Emilicência



Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac... Na escrivaninha do meu lado há um belo relógio falante, ele foi comprado pra combinar com meus olhos, mas hoje parece que ele quer combinar com meus sentimentos. Ele fica assim, a todo instante, martelando, tictaqueando, gritando aos meus ouvidos. Eu já quis jogá-lo pela janela, porém lembrei que ele custou caro. Hoje não foi um dia bom, eu só tive pensamentos confusos. Fiquei me perguntando se tanto esforço valia a pena, se essas crises iriam passar, se eu teria 20 anos amanhã de manhã (mesmo tendo bem menos que isso ainda hoje). Eu sou aquela moça que fica na janela orando pra que as outras segurem meu castelo de areia, meu castelinho de sonhos. Eu sou aquela moça à moda antiga, que anseia pelos caprichosos desígnios do Criador deste Universo. Eu nem sei o que eu vou querer daqui a pouco, como pode pensar este ambicioso relógio que sei o que quero agora? Só porque ele fica na minha cabeça, tictaqueando, não quer dizer que eu já saiba se quero esse caminho ou aquele outro. Ai, eu não sei de mais nada. Eu quero uma folga! Parem esses movimentos que eu quero descansar...
Se tudo fosse mais romântico eu ia me encontrar rapidinho. Mas, ô mundinho desprovido de sensibilidade. O caminho de casa pra escola ao invés de colorido parece nublado. O caminho de meus pensamentos até meus sentimentos ao invés de dóceis parecem esbravejantes, ansiosos. Mas, como terei certezas em plenos pouquinhos anos? Eu sou uma caixinha confusa, sou uma rosa frágil e meiga. Olha meus amigos, eu sou eu, e essa certeza tem me consumido o bastante para amar-me todos os dias. 
A vida é uma grande verdade, escrita em cima de rabiscos de mentira. A vida é um grande cobertor, alinhavado aos retalhos de pano da sabedoria. Eu olhei pra aquele relógio, ele só dizia e repetia: "Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac"... Fiquei impaciente, desconcertada, encabulada. Já era hora dele parar de me incomodar. Atravessei o quarto e desci as escadas. Ele ainda tictaqueava. Parei na cozinha ao ouvir minha mãe batendo as panelas, fazendo bolo, o cheiro era delicioso, e eu preferia ficar ali à ouvir aquele Tic Tac ensurdecedor. Olhei ao redor, tudo estava calmo, e eu admirei o jardim que pude ver pela janela. Ah, eu vislumbrei a paz, e nesse momento nem a minha adolescência poderia me incomodar, quanto mais aquele relógio barulhento. Eu não sei o que eu vi ali, só sei que fiquei alegre. Depois mais ainda. Minha mãe virou-se e sorriu pra mim, disse que eu era linda, a princesa dela. Eu me senti o pedaço da criação mais importante que o Eterno fez. Ah, prepotência! Sei que agora soou assim... Mas e quem me garante que Ele não me considera tão importante mesmo? Afinal de contas, Ele pagou um preço por mim. 
Voltei pro quarto. Mesmo sabendo que aquele relógio estaria lá. A sensação de estranheza ainda estava comigo. Talvez ler um pouco, ouvir uma música, falar com pessoas, pudesse me ajudar. "E se não ajudar?" Meu subconsciente gritou! Ai, que confusão. Eu quero que essas emoções se calem de uma vez, que o mundo pare de me dar rasteiras. Sinto um medo tão intenso, de ser impulsiva, de ser rígida, pouco empática com quem eu amo. Mas as vezes eu sou assim só comigo mesma... Vida difícil essa de emilicência. Queria só um abraço, um sorriso de olhos. Só isso. É pedir muito?! Também não sei. Colocarei essa pergunta em meu pacotinho de perguntas não respondidas. Quem sabe os amanhãs sejam menos confusos e mais responsivos que os hojes.
Tenho medo de minha essência, tenho pressa por liberdade, tenho desejo de compreensão. Eu sou apenas uma moça, que também tem coração. Um coração cheio de laços, cheio de sobressaltos e cores. Um coração falante, do qual os Olhos são a porta. Quero que essas fases passem, é difícil viver na minha pele, mas é mais difícil ainda conviver com essas minhas luas. Uma amiga mandou uma mensagem, e nela haviam descrições do meu ser mais profundo, fiquei boquiaberta, não sabia se chorava ou sorria, acho que fiz os dois... A partir das palavras que ela me apresentou eu vi um ponto de luz. Vi que as sombras se dissiparam, e que Deus estava me acalentando em seus braços. E naquela hora eu tive asas, e naquela hora olhei pro sol, e presenteei-lhe com o sorriso mais largo que consegui esboçar. Nem o relógio que outrora me perturbava conseguiu me impedir de voltar a sonhar. 

A Emilicência se abriu pra mim, e entendi que preciso viver o todo de hoje, para alimentar-me bem dos momentos felizes do "daqui a pouco". Eu sou uma complexidade, mas o meu espírito é jovem e forte. Com a ajuda do relógio talvez eu seja mais formosa que uma brisa, e mais leve que um beijo de amor. Não me ponham no chão, os sonhos são mais doces se provados do alto de uma nuvem de esperança.

P.s: Texto dedicado à minha amiga Emile Souza, a minha "Olhinhos falantes".
P.s²: Criei o termo "Emilicência". É basicamente "Emile + Adolescência".

Comentários

  1. Será que vc aceita o silêncio como resposta? 😭😭😭

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Aceito. Mas, só porque o silêncio também é uma resposta bastante espontânea. E por trás dele há também palavras. Só que essas palavras só poderão ser ditas quando toda confusão for resolvida. Espero que o tempo te ajude, meu anjo <3

      Excluir
  2. Sara, que texto lindo!!! Tão sincero, tão doce, tão simples, tão humano!!! Parabéns por essa escrita maravilhosa!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muitíssimo obrigada, Brenda :)
      Senti uma necessidade de escrever algo próximo a alguém que amo muito e que está meio tristinha. Tentei ser real, pisar os pés no chão dos sentimentos humanos, pra que ela se sentisse nessas palavras, pra que ela se sentisse acolhida.

      Excluir

Postar um comentário