Um belo dia se percebe, como que por analogia, que a forma que de mim querem não se encaixa em mim nem que eu morra tentando. Será que é difícil compreender alguém pelo simples fato de este alguém não se encaixar naquela coisa chamada "socialmente comum"? A questão é que o disforme é problemático e geralmente sofre sozinho. O que nesse nosso mundo atual é disforme? Tantas coisas quanto grãos de areia. Se você lê bastante, ouve "deixe de ser careta e saía de casa". E quem foi o disseminador da ideia de que sair de casa e cortejar a extroversão é o método do céu?! Se eu conhecesse este ser, no mínimo gostaria de lhe refutar os argumentos sórdidos e pretensiosamente falíveis. Se você gosta de música clássica ou antiga, vai ser chamado de antiquado, "velho pra nossa geração". Se você gosta de bibliotecas e lugares calmos, provavelmente já se viu sozinho por desejar ir a um desses e apenas pensar por horas à fio. Isso tudo é taxado, rotulado e assinalado como ser alguém "triste e sem graça". Quem dera vivêssemos num mundo onde gostar de certas atividades não fosse motivo de crucificação!
Hoje em dia é um tal de "viver a vida", "curtir todas", "ser descolado", que me pergunto se quem expressa tais discursos não esqueceu-se da essência humana em casa, mais especificamente no banheiro depois de tê-la tirado para o banho matinal. Pra que pregar aos quatro cantos "viva a vida"? será que a gente pode nascer pra não viver? Mesmo quem sofre de depressão e sente-se sem vida, sabe por lógica que aquilo é só um sentir no meio de tantos, deixar de viver é um status que só se obtém quando a senhora morte visita-nos e não nos deixa escolha senão ir de uma vez. A gente está vivo, seja lá fazendo o quê, ou gostando de fazer o quê. Ninguém é menos vivo por gostar de ler, ouvir música, conversar com poucos e fiéis amigos, ir à lugares calmos pra pensar, gostar de silêncio, de conversas intimistas e profundas, gostar de estudar, sair pouco porque se sente satisfeito em sair em épocas e ocasiões específicas nas quais sabe que terá prazer e obterá lembranças futuras magnificas. Se isso é ser menos vivo ou não viver, atestem a minha morte hoje, pois devo estar em estado de decomposição!
Você já parou pra pensar que nem sempre a gente é o que querem? Nem nossos pais podem prever o que seremos já crescidos, imagine nós mesmos que convivemos e crescemos conjuntamente com essa tal de "subjetividade humana". O que me torna pessoa é o fato de ser eu a única capaz de construir quem eu mesma serei. Antes de mim só aquele que é Eterno e Soberano. Mas, sei que ele me deu carta de admissão para o cargo de tornar-me um ser distinto dos outros. A partir do que vivo e experiencio é que me torno alguém. Você está realmente preocupado com o que as pessoas vão achar de você e de sua vida daqui a alguns anos? Só tenho uma coisa pra dizer: está perdendo seu tempo. Ninguém é capaz de precisar o que acontecerá daqui a um minuto, e porque "cargas d'água" precisamos dizer "ok" pra toda contestação do nosso eu que ouvimos? Não nego que precisamos buscar melhorias, se eu negasse isso estaria adentrando na mais pura falsidade. A gente vai se moldando, a gente vai mudando e deve buscar isso sempre. Mas mudar porque é "socialmente comum e coerente" ser de determinado modo é incorrer à ignorância. Somos disformes em muitos pontos, e quase sempre intolerantes à disformidade do próximo. Há beleza em todas as disformidades, a gente precisa ver isso. A criança pequena e alegre é tão amável quanto a criança pequena e melancólica. Há beleza na alegria e na tristeza. Se tudo fosse unidirecional não haveria graça nem inovação. Precisa-se dos dois como se precisa de água e comida para sobreviver. Tente viver só de um e morrerá pela ausência continua do outro. Percorremos a vida como se ser igual a nós mesmos fosse o objetivo merecedor de troféu que o outro deva alcançar. Se eu fosse igual a você, você não seria você, eu não seria eu, aliás "você" e "eu" não existiriam, seria uma amálgama de personas que não se diluiria nem com banho de água gelada ou eletro-choque. Pare de ser bobo! aprecie a disformidade dos seus semelhantes.
Quem se rodeia de iguais sente-se confortável, preciosamente dono de algum tipo de razão, idolatrado talvez. Quem se rodeia só de iguais está procurando nestes algo de si mesmo que sozinho não enxerga. Conviver com disformidades humanas demanda o que todo mundo quer e não consegue tanto: PACIÊNCIA. Haja paciência pra tanta disformidade! mas vale a pena tentar. Aposto que Sherlock Holmes dizia isso a si mesmo todos os dias que encarava um novo caso: vale a pena. Eu não sei onde este texto quer chegar, mas ele está me incitando a dizer coisas que muito se quer falar e pouco se põe pra fora. O incômodo é a forma mais direta de aprender a falar, pois mesmo que as palavras estejam embaralhadas a gente fala por não mais suportar.
Daqui a dez ou vinte anos eu posso estar na casa de alguém que a muito me conhece sendo olhada com desdém por não ter atingido a meta esperada pela sociedade que me sociabilizou. E eu não vou me importar em sorrir e expressar o quanto a minha existência me fez ser feliz e ensinou grandes lições. É difícil dizer que não se sonha com certas coisas, mas ninguém tem o direito de dizer que não tentamos a nosso grosso e sútil modo, se erramos, um dia veremos por nossos olhos ou pelos de certos anjos terrenos sem os quais seria mais difícil a jornada. Olhe, jovem, não seja mesquinho, abrace os disformes e converse intensamente com eles, arranque deles informações, cosmovisões, e sentimentos, garanto que se sentirá vivo como sempre esteve (claro, se você está lendo isso é porque com certeza não morreu). Aquele que você olha torto por ser diferente de você, por não gostar do que você tanto superestima pode te oferecer momentos incríveis de sabedoria e alegria. Somos uma nação de disformes, querendo matar uns aos outros sem motivo aparente, ao invés de abraçar-mo-nos e desejarmos que a vida seja mais doce e sensível.
Não pense que o mundo gira em torno de você, e se ele o fizesse no mínimo rebaixaria sua grandeza, pois ele gira em torno do disforme Sol, que duvido muito, tenha algo de semelhante com ele para vangloriá-lo.
entendo bem,isso,esse texto me descreve,ninguém aceita meu jeito meus gostos mas aprendi a não me importar vivo do jeito que quero e Deus permite. e considero disforme é pessoas incapaz de respeitar a essência do outro.Pois cada um tem sua individualidade e é isso que torna o mundo interessante,mas a idade me deu essa capacidade de ignorar as ignorâncias alheias.
ResponderExcluirE assim a gente vai vivendo e aprendendo. Vendo as incoerências que as pessoas exigem de nós, e quão pouco elas sabem sobre si mesmas. Que sejamos disformes e sempre felizes!
ExcluirSeus textos sempre tão profundos, tão verdadeiros, tão lindos!
ResponderExcluirOh, obrigada :D espero que profundidade, verdade, e beleza sempre possam andar juntas em tudo que consigo escrever. Beijo
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