Abismos



Entre o eu e o Outro sempre existe um abismo. Não importa a maneira que se diga, a forma que se tente, sempre existirá um alta porcentagem de incompreensão. Desde muito tempo, se sentir desencaixado é o que de mais real existe no mundo paradoxal. Ser igual é tentador, pois as pessoas não reclamam da igualdade, mas ser um tanto diferente já causa um remorso gigante... Gostaria de entender por quê, pra que, onde e como se instaurou essa ideia de que não dá pra ser imperfeito. Os mínimos pedaços de desleixo parecem vidro estilhaçado, que corta sem dó nem piedade quem o derrubou no chão. Entre o eu e o Outro sempre existe um abismo, e essa sentença nada mais é que um tratado de verdade. Sentir-se além das possibilidades de compreensão é como mergulhar num mar revolto e de águas negras. É ter vontade de afundar, e não poder mesmo tentando.
No abismo que encontrei, me joguei e não consegui ver a saída. Admiráveis são óh povos vencedores, que lutam contra os abismos e chegam nem que seja na porta antes do portal de saída. Os homens sempre perdem a guerra contra o abismo, e os que vencem não mais vivem pra contar a história. Entre o eu e o Outro há enormes abismos. O Outro é grande, imponente, enfático e confiante. O eu é pequeno, frágil, reticente e inseguro. Eu queria saber era escalar muros!
O que o eu quer dizer, o Outro não acha importante. O que o eu sente, o Outro não acha importante. E vice-versa, por isso mesmo o abismo existe, e só quem é atrevido ao extremo tenta atravessá-lo, mesmo sabendo que sairá ferido e sedento de calma. A única coisa realmente boa no percurso dos abismos é a possibilidade de desenvolver paciência e perseverança. Na verdade antes de entrar no abismo se não houver uma dose sequer de esperança nem se deve tentar, eis o meu conselho. Não é o discurso mais doce do mundo, mas ao menos é real e fundamentado. Eu tenho plena certeza que entre o eu e o Outro há barreiras gigantes, construídas pelo próprio eu e pelo próprio Outro. São obstáculos, amarrações, nós, rios escuros, poças de lama, pontes de cipó velho, talvez até areias movediças... Tudo bem planejado, e aí reside o medo de tentar. Quem ler um texto desse talvez ache mais fácil assistir TV ou ver o último episódio da série favorita. Só os ousados tentam o exercício de entrar nos abismos da experiência de viver em relação. "Ousados" não por serem melhores, mas por serem insanos o suficiente para enfrentar fortes emoções. Por que como dizem as línguas mais afiadas, "melhor viver tentando, que não viver". Não sei se concordo 100%, mas há de se dar uma chance a análise da frase, só que não agora, porque os abismos estão tão consumistas que querem me devorar por completo. Enquanto falo em palavras estou na guerra dos abismos experienciando a grotesca e ininterrupta briga dos elos guerreiros. Uma hora levo uma rasteira, uma queda certeira, e parece que o chão é meu lugar... Queria ser conformista o suficiente pra ficar, mas me levanto de novo. Há tempos não sei o que é desistir, tudo porque viver desistindo me cansou à ponto de não mais querê-lo. 
Talvez eu nunca vença essa guerra com os abismos, mas pode ser que o eu e o Outro se deem as mãos em algum instante. Nem que seja um segundo, sentirei que a fulgura da glória me cobrirá por completo, e a taça será erguida não à mim, mas a quem me consentiu chegar ao fim do abismo.

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