Como se ele ainda fosse um menininho, sentado no balanço recolhe as coisas que vê, sem saber se é uma miragem ou um encanto. Por segundos inexpressivos olha, e as folhas parecem falar com ele, uma delas rumina que está fraca, amarelada, precisa de sol, precisa de vida. Outra responde com um simples farfalhar, que não tem tempo pra conversa chata, pois o outono é quem está pra chegar. E é assim que o menininho se sente, sozinho, doente, sem cor e com milhares de sons nos ouvidos. É difícil atentar para um só, são tantos, tantos, que nem dá pra saber se são folhas ou uma cacofonia de movimentos. Esse menininho talvez um dia se torne um homem, mas será que ele vai saber se comportar? As pessoas dizem que não, as pessoas são sempre burras demais pra entender o menininho, e as vezes tudo que ele queria era ficar num canto, ouvindo tudo e prestando atenção em todos os sons e em nenhum ao mesmo tempo. Pois será que ele sabe que ouvir tudo é o mesmo que não ouvir nada? Ou será que eu adulta burra esbarro na verdade e não enxergo pois também não quero, como milhares de mim?
Como se ainda fosse um menininho ele mistura as cores do jeito que deseja. Primeiro vem o azul, depois o amarelo, o verde com esmero ele coloca no final. Não ouve que da porta do quarto alguém o chama, talvez hoje ele se sinta menos um fracasso que ontem. Aí ecoa novamente a voz, e ele se obriga a olhar. Uma calça surrada, com rasgões nos joelhos, um all star manchado de tinta e um certo cheiro de infância pelo ar. Ela lhe diz pra levantar a cabeça e ele para de respirar. Não quer nem por um instante ficar amarrado ao olhar dela, não quer ter de dar a ela o poder sobre a direção de seus olhos, pois é isso que os adultos fazem, roubam você de você mesmo, roubam sua alma arrastando-a pela porta dos olhos. Ela diz de novo, como quem não quer nada, que se olhar pra cima irá ganhar uma surpresa. Mas ele nem a escuta mais, virou-se sem nem notar, um gato que havia passado, arrastou nele os pelos eriçados pelo frio, e ele como bom comandante fez dele seu acompanhante. Ela então desiste, dá cinco passos e suspira, encosta na porta e diz que ele vai se atrasar pro jantar. Mas ele que está com fome só sabe olhar pro gato, nos olhos pois de imediato percebe que nada ele pode lhe roubar, tem tudo de que precisa, pelos imensos aos quais cuidar, cada fio que por minutos ele poderia, se fosse um gato, olhar. A porta se fecha atrás de si, e o mundo volta a girar.
Como se fosse ainda um menininho o homem se ergue do balanço, não percebeu por quanto tempo seu braço ali pousava nas correntes, não sabe se teve uma alucinação, só sabe que sentiu, viu, desejou, e ainda quer estar lá. Naquele quarto rebuscado, com todas as cores espalhadas, mais especificamente o azul, seguido do amarelo, seguido do verde. Tudo na mesma ordem, pra não perder o prazer, e o pensamento acelerado sabendo que os passos adiantados eram de alguém que lhe abriria a porta e faria ver apenas pernas dentro de uma calça surrada e pés com um tênis manchado. Ela então diria pra ele ir jantar, e ele se recusaria no momento, pois o gato lhe roubaria os olhos, mas não como ela o poderia fazer se ele o tivesse deixado. Pois adultos não são gatos, pois gatos não são humanos, pois ambos não conhecem o que tem na cabeça dele.
Como se ainda fosse um menininho, ele levanta do balanço, deixa as folhas falantes consigo mesmas, seus devaneios de outono e sonhos de verão. Ele anda dez passos e continua olhando pro chão, se tem algo que nunca lhe obrigaram a fazer foi não olhar nos olhos, mas ele até tenta de vez em quando. Quando sente um sentimento aconchegante ele abre o sorriso e se garante, que ninguém vai lhe roubar o restante daquilo que ele nem possuiu até hoje: seu próprio corpo, seu próprio ser. Ele vira a esquina, e ouve passos fraquinhos, mas sabe que de mansinho ela irá o abraçar. Ela chega e diz: amor, vamos jantar. E ele olha-lhe os olhos e assente como quem sabe o que faz. Ela não tem um all star manchado nem uma calça surrada, ele até quis lhe presentear, mas ela tem dentro dos olhos as cores organizadas do seu amado lar. Azul, amarelo e verde, nessa mesma ordem sem errar, e seus olhos não roubam alma, mas roubaram-lhe o coração, roubaram-lhe a atenção que só os pelos daquele gato de infância sabiam roubar antes do jantar.
O homem que era menino, como sempre voltou para o lar doce lar. Enternecido pelo abraço daquilo que era-lhe familiar pensou de olhos baixos de novo: a sorte sempre veio me balançar.
Sempre bom voltar ao passado rever no erros nossos acertos, e principalmente não deixar ninguém roubar nossos sonhos
ResponderExcluirSempre bom voltar ao passado rever no erros nossos acertos, e principalmente não deixar ninguém roubar nossos sonhos
ResponderExcluirÉ verdade, moço. Sempre bom voltar e rever. E isso se aplica a muitas coisas. Quanto aos sonhos são os o mais importante. Não deixar que eles morram é uma lição que deveríamos aprender na escola, mas geralmente não ocorre e a gente vai pra rua já ensinados na arte da desistência. Mas tenhamos fé na vida! Obrigada pelo comentário ^^
Excluirchega o dia que o que você mais quer é um balanço, balançar a alma sobre as dores da velhice, dizer-lhes com voz trêmula mas firme; aquietem-se, não se vinguem dos sonhos fracassados em cima dos que sobrevivem graças a força de sorrisos sinceros.
ResponderExcluirmuito acalentador o teu texto.
O balanço chega pra todos, e essa é a graça de tudo: a rotatividade. Grata pelas palavras, Francisco.
ExcluirMuito esclarecedor o seu comentário.