De vez em quando as coisas não são como nós queremos, e disso a vida sabe se encarregar bem. Na ânsia de estar alegre ficamos tristes e na vontade insana de estar contente com o barulho, nos percebemos querendo silêncio deliberadamente. Não se sabe de onde vem esse medo, esse incômodo, sabe-se apenas que é doloroso e perturbador. O medo da multidão, dos olhares, das expectativas. O medo da invasão. "Quem dera ser uma mosquinha" nunca foi uma frase com tanto sentido quanto agora. Esse medo me estraga, não me deixa fazer nada. Irrequieta no quarto, com as mãos pro alto, os pensamentos gritando e ninguém do lado. Estar sozinha é estar acompanhada de muitos eu's, e é isso que mais incomoda. Não os muitos eu's em si, mas a verdade que cada um me diz sem que ninguém atrapalhe o discurso.
Não há vontade de nada, não há esperança as vezes, só uma multidão de medos, um complexo portal de solidão. Com o tempo se diluindo pensamos inocentemente que haverá tempo pra perdão, pazes, afagos, conquistas, desabafos e afetos... mas a vida é curta demais pra ser inocente. O coração esmigalhado, cansado de sofrer, querendo respostas, querendo ver uma face resplandecente dizer que tudo ficará bem. Mas não há e isso faz minh'alma gritar novamente, para depois calar. E o silêncio ensurdece, pois é recheado de questões, de hipóteses, de anseios, de descobertas pequenas e inóspitas. Alguém me salve, me salve de mim...
E como vai ser amanhã? Eu não sei, mas quero viver. O que vai ser de nós hoje? Eu não sei, mas quero estar viva pra ver. No fundo, no oculto, há uma chama, uma lamparina acesa dizendo sim, dizendo que algo existe além do céu, além do mar, além da dor. Por favor, me salvem de mim! Preciso aprender a correr contra o vento, contra essa tristeza chamuscada e fácil que sobreveio meus olhos, meus poros, e tudo o mais que chamo de corpo. Ser não tem nada a ver com ter, e sei que é ter que arrasta pro escuro. A luz está ali por mais que não consiga ver agora, por mais que aguada seja o ardor da ferida aberta e remexida. Por favor, se salve de si!
Na esquina mais próxima um menino meigo, com esfoladas sandálias, vestes rasgadas e cabelos enegrecidos, não pela cor natural, mas pela dor na vida em forma de poeira. Ele sorri pra mim quando passo, e eu temo aquele sorriso, não por achar ali um marginal em potencial, pelo contrário, vejo nele a verdade que me corrói... Não vejo a beleza da vida que ele vê, que não é estampada na riqueza de um belo café da manhã, mas sim na riqueza de ter ar nos pulmões. Sim, há ricos sem dinheiro algum, e pobres com possibilidades de alimentação diária preservada por um salário. Não, não é hipocrisia, é só o que e o silêncio me ensinou.
Antes dessa melancolia via tudo colorido, formoso e até esnobava, mas depois que ela chegou só consigo ver uma escala de cinza. Infinita. Brilhante. Esperançosa. O medo é ser arrastada pelo cinza e não conseguir sair dali... Ficar parada, querendo mais e mais e mais e mais e mais. Meu coração pulsa e não sabe o ritmo essencial, sabe apenas que quer viver pra ver o final da história. Se todos morrerem, ele quer viver pra ver o final. Se todos escolherem arrancar a dor, ele quer sentir até não suportar e ir de encontro a verdadeira quietude. De lá eu vejo as janelas abertas e pouco me importam as portas fechadas. Dói? Dói. Mas faz parte do processo de ser.
A vida vai ser difícil, dura, malévola, assim como nós os coadjuvantes e protagonistas. Vão haver momentos de choro intenso, desespero, pavor, mas não ache que por não achar a luz ofuscando ela não existe. Você vai achar que o tudo é o nada, que o nada é o tudo que há. E se o nada haver, saiba que o tudo também existe, que não sinônimos, só companheiros de estrada... Bem assim, o silêncio.
Por favor, me salve de mim! Não sei dar um passo, não sei sair do quarto da imensa solidão, não sei despartir meu coração, não sei dizer adeus à escala de cinza... Tudo que me faz eu é sombrio, e tudo que me faz querer viver é Luz. Talvez esse meu barco esteja furado, mas algo põe sua mão no buraco, e cá estou eu... reticente, mas inteira... ofegante, mas ainda correndo. O caminho é incerto, mas é o certo posso sentir. É infértil para alegrias, mas cheio de setas férteis de Vida. Estou sozinha, mas comigo completamente, comigo e com a Luz, comigo e com a verdade que trago sem querer ouvir pois dói, dói demais.
Alguém me salve, me salve de mim!
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