Se há algo importante a ser dito sobre um assunto, direi agora, e o assunto é a empatia. Não aquela coisinha rotulada já de algumas décadas, que entendemos por “se colocar no lugar do outro”, mas algo além. A sentença não é inútil, muito pelo contrário, é a definição mais simples e se alguém me perguntar o que é empatia prontamente a utilizarei. Faltam exatamente alguns segundos para que você entenda o que quero dizer com toda essa introdução...
Quando pequena, costumava eu brincar sozinha por horas, sem reclamar, sem espernear ou fazer birra pela solidão. Fui crescendo, crescendo, e a solidão continuou comigo, como uma parceira imóvel e fácil de abraçar nas noites frias. O resultado disto foi um tremendo mau costume. Acostumei-me a andar sozinha, sorrir sozinha, falar sozinha, pensar sozinha, enfim... a vida já era uma ausência constante, e eu até que gostava. Já na adolescência isso passou a incomodar, não sabia eu a magnitude da necessidade de fazer amigos, e nem ao menos havia sentido tamanha falta nos anos inocentes e doces da infância. Alí tudo passou a ser angustiante. Se estudava era sozinha, se saía era sozinha, se queria um favor não havia ninguém que ouvisse e se compadecesse de minha necessidade. As coisas se tornaram enfadonhas, até que num momento insano conheci pessoas que não mais me deixaram saborear a solidão desacompanhada. Ou seja, foram eles comigo, lado a lado, sem pestanejar ou me impor condições de sociedade. Eu grata fiquei, mas ainda assim algo incomodava como uma ferida recém-aberta e cheia de areia.
Só passados os anos entendi o que cutucava minha alma: a inadequação para sentir empatia. Como assim? Sim, eu também quis saber logo que captei a realidade do fato. Fui desaprendendo a ser empática, ou talvez nunca tenha apreendido essa dádiva no meu repertório de habilidades. As pessoas estavam ali comigo e nem sempre eu estava com elas. Elas falavam, falavam e eu não entendia nada. Se elas diziam “não estou bem”, eu só dizia “vai ficar tudo bem”, e ia caminhando ciente de uma boa ação feita a alguém. Tremendo engano este. Já viveu isso? De alguém te perguntar se você está bem, e você não acreditar que se negar receberá um conforto sincero? Eu já vivi isso, do lado de lá e do lado de cá. Como protagonista de uma ausente empatia eu não ajudava ninguém, apenas a mim mesma, achava que estava arrasando, mas não. Quis pedir perdão a inúmeras pessoas tão logo percebi que eu estava me escondendo em mim mesma por não saber ajudar ninguém.
E é isso que eu quero dizer com empatia, ora vejam só! Um deslocamento de sentido. É aquele breve momento em que você se deixa de lado afim de apenas ouvir. É quando você pensa como o outro está pensando, só pra sentir como dói ou faz sorrir os fenômenos declarados. Mas acima disso, empatia é uma troca entre almas. E a esse respeito pode ser que não concordem comigo, mas o direito lhes é dado. Como eu saberia ser empática sem exercício? Isso é difícil. Por isso não julgo quem não o saber ser, apesar de considerar estarem perdendo a melhor coisa que um ser humano pode aprender a ser.
Dentre tantas funções e profissões, a da empatia é a mais nobre, pois embala o amor, a paciência, a tolerância e até muitos romances. Há pessoas que acham que não, mas para estar com alguém é preciso empatia. Um rosto bonito se esvai como as pétalas de um dente-de-leão ao mais fino assopro, a inteligência é minada com o avançar dos anos, a riqueza nem chega para uma maioria das pessoas, então só nos resta a empatia para saber que o outro ao lado sente dores e precisa de carinho todos os dias. É preciso saber que mesmo que o outro não seja parecido com você, ele está se esforçando. Mais necessário ainda é entender que as almas precisam estar alinhadas de variadas formas para sentir a empatia fluir. Aquele sorriso que você não esqueceu depois do primeiro encontro ainda será o pressuposto ao qual você precisará se prostrar quando os dias não forem tão bondosos ou simples. Você se unirá a uma alma, não a um emaranhado de caracteres. Colocar-se no lugar desse outro é essencial, pois o que almejamos de mais íntimo certamente o outro também almeja: a compreensão, o companheirismo e a capacidade de ouvir sem julgar.
A criança que eu fui não sabia diferenciar a necessidade dos outros daquela que também possuía. Se irritava as vezes por não entender as “loucuras” dos amigos, mas foi aos poucos aprendendo a decifrá-los, tal qual detetive iniciante. Ao longo de fases e mais fases aprendeu que seus pensamentos não eram os únicos no mundo, que por mais peculiares que fossem poderia haver outras pessoas experimentando-os. Foi uma dura lição. Muitas incompreensões, discussões, tristezas, mas enfim a empatia sorriu-me e acenou a mão. Eu respondi, sabendo que poderia atravessar a rua da minha ignorância tão logo deixasse de egoísmo barato.
A partir de então, aprendi a ouvir mais que falar, calar mais que esbravejar, pensar mais que supor, e isso foi libertador. A tarefa é árdua e penetrante, perpassa seu coração, alma, mente, ossos e olhos. Todos os dias ocorrem novas chance de exercer a empatia, esse deslocamento de sentido, para o sentido daquela outra pessoa que lhe aparece como estrangeiro. Com a empatia não digo que sei resolver tudo que o outro me traz, mas que estou interessada em saber como é, pensar junto no que fazer ou não fazer. Com a empatia me debruço sobre um lago de possibilidades, que sequer existiriam caso as minhas respostas continuassem a ser débeis e falidos “vai ficar tudo bem”. Não, nem sempre vai ficar. Mas cabe a ti a perspectiva de como viver e agir sobre o que lhe sobrevém nos momentos vindouros. A empatia não é uma solução mágica de problemas, é um barco que navega por mares distantes e enegrecidos, com destino à calmaria.
Retomando em exemplos, amizades e romances sem empatia são assim frouxos, porém firmes com o acréscimo desta. O amigo que não consegue lhe dizer um segredo talvez sofra do medo da sua pouca empatia. O namorado(a) que não consegue lhe confessar os medos talvez ainda não saiba se você é o porto seguro tão esperado (repleto de empatia e com firme alicerce). Os filhos que não doam-se aos pais mais como antes talvez o façam por saber não haver nestes a expressão de empatia frente aos pequenos erros. Você quer ser um(a) mãe/pai em quem seus filhos não podem dizer nada, por medo? Pense sobre isso. E se você quiser, eu entendo, mas lamento. A empatia não encobre erros, ela os desnuda, mostra-lhe um espelho, limpa, alimenta, veste e restaura por completo. A empatia não é um afagar de cabeça em quem faz 'corpo mole', mas sim um tapa na face de quem acha que as regras fechadas resolvem o mundo.
Palavras ainda faltam para decifrar o que é a empatia, mas se as coisas não forem pensadas podem morrer desnutridas. Talvez a única coisa que ainda seja maior que a fome no mundo é a falta dessa jovem senhora. Se eu não souber ensinar meus filhos a ler ou escrever, ao menos ensinarei a empatia, já que o amor move o mundo e o mundo é um círculo à espera daqueles que bem o souberem direcionar.
Quem diria hein! uma criança foi de solitária à contemplativa do que lhe fora resguardado pouco entender. Todos temos essa chance. Querendo e reservando um pouco de tempo dá pra aprender diariamente.
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