Cordas Mágicas


No percurso que sigo, encontro mil pedaços de mim, e em todos os pedaços fico a imaginar a imensidão dos medos que os fizeram cair. Deixo-me esbarrar nas armaduras que eu mesma fiz, que também deixei pelo caminho, solitárias, calejadas, marcadas...
A vida é uma estrada tão assombrosa as vezes, como se o tempo inteiro tivéssemos de lutar com bombas em um campo minado, ou tal qual garotos curiosos num campo com rosas, que apesar do maravilho cheiro, deixam-lhes as marcas dos espinhos à medida que as tocam. E assim é que acontece. Tudo acontece, como em cordas mágicas.
Se a cada corda que se ergue eu pudesse sentir o som tudo seria mais fácil, mas não, não vejo sua estrutura, som ou sinto o abrasar. Apenas sei que as cordas existem e me guio por uma esquina tortuosa de saudade, incerteza e solidão. Não sou eu maior que as minhas forças, nem são elas que definem minhas conquistas, é o tempo, o tempo e a existência dessas cordas mágicas. Quando tudo parece silencioso demais, aí é que meu coração fala, conversa horas à fio, sem descanso, sem consolo. Nas mais descompassadas cordas minha alma grita, deixa-me descoberta, sem reservas e sem expectativas. Afinal de contas, de que adianta guarda-las todas? Nem para companhia do café da tarde servem, talvez somente para o chocolate quente nos sonhos. É difícil saber dizer o que são as cordas mágicas, mas sinto-as me levando... Dia após dia, noite após noite, como se só elas pudessem me sussurrar o que fazer com o passo ainda não dado.

Será que é muita ilusão esperar que dias melhores venham? Será que a felicidade é um biscoito de duas faces apenas, ou terá ela recheio? Será que estou aproveitando corretamente meu tempo? E se não estou, como saber? Como entender que quem sou é só uma partícula de tudo que ainda penso em ser? Todas essas são as cordas mágicas que me alimentam. Elas caminham, dançam, brilham diante de meus olhos e fazem eu me sentir viva.
No percurso que sigo já encontrei sorrisos deixados pra trás, fotos queimadas, roupas amassadas, um pouco da sopa que eu deixei de apreciar, um pedaço do amor que deixei de doar, também abraços, inúmeros abraços que reservei no pensamento e nunca foram mais que só pobre pensamento. Nessa estrada não sei o que fazer, mas as cordas mágicas me levarão à algum lugar... Há um construtor, um escritor, um mestre na arte de dirigir as cordas, e nele eu sempre vou confiar. Ele desafia minha alma a parar de chorar, a emergir e não deixar que os maus ventos esbanjem soberania sobre meu ser. Esse escritor sabe quem eu sou e quem eu devo ser.

Ouço as cordas soando sempre que o silêncio vem, vejo-as dançando sempre que a paz inunda meu ser de paixão. Pela vida, pelo amor, pela doação, pela adoção. Deixo de sentir apenas quando caminho, e vou vendo na pequena estradinha percorrida todas as coisas que beiram a putrefação, sim, porque permiti... Eu permiti.

Se você tivesse a chance de olhar uma última vez para o que de mais valor possui na vida, o que seria? Você olharia ou choraria por pensar que é a última vez? Você se agarraria ou sofreria deixando então a chance sozinha no caminho? Decida. Essa é a sua vez, não a minha. Porque já chorei, já estou despedaçada a mais tempo, meus poros já absorvem tudo de tão abertos que os deixei, meus dedos já embranquecidos e gélidos já não sabem o prazer do toque. Pois aquilo que amei eu deixei cair. Pois aquilo que deixei cair eu não soube amar de verdade.

Mas a minha esperança é essa: Há um escritor, com papel alvo como a neve, caneta sublime e a imaginação mais esplêndida que se há chance de saber existir. E ele escreve cordas, cordas mágicas, que me lembram todo dia quem eu sou e quem eu quero ser.
Eu só preciso te achar... Eu só preciso te achar... As cordas precisam me ensinar o caminho de seu lar, e lá eu sei, ah sim eu sei, que vou me sentir finalmente em casa. O sacrifício da estrada, a visão de tudo que morreu, a incerteza de não saber, o medo que me mortificou, a esperança enfim... Vão me guiar até você.

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