A beleza de se ver em diários



Ler diários antigos é uma espécie inusitada de terapia. Digo que é uma experiência engraçada, além de libertadora. Alí está detalhado um eu que não existe mais, um eu imaturo, bobo, frágil e meio míope, não no sentido literal, mas metaforicamente. Uma, duas, três paginas relidas e visualizamos a época do texto, o momento comentado, o sentimento que acompanhou o registro, e é extremamente fácil pensar "que tolo, preocupado com tão pouco, mal sabia o que viria a seguir" ou "escolhi mal, poderia ter ido por outro caminho, teria evitado sofrimento atoa". Sim, é fácil, depois de uma releitura analisar o que aconteceu ou até as consequências das medidas impulsivas do passado. Mas não podemos voltar, e tudo aquilo construiu quem somos hoje. Se se orgulha de quem é, ofereça o devido agradecimento ao eu daqueles diários.
Ao virar das páginas, um sorriso surge no rosto, como quem veio pra ficar. Era divertido, era puro, era difícil, mas foi como teve que ser para chegar neste presente. As dores, desilusões, anseios, medos, angústias, paranoias, tudo... tudo foi necessário. Houveram noites de choro, raiva, incompreensão, sentimento de injustiça, mas também houveram aprendizados, alguns leves, outros tão dolorosos quanto espinhos na carne. Hoje ainda se colhe os frutos daquele tempo, e a leitura do escrito outrora vibra com saudades, não das interperies, mas do processo experienciado para tornar-se uma pessoa mais sábia, firme e coerente com sonhos e paixões.
Ruídos de quem se foi reverberam na alma, a cada linha lida, interpretada e memória evocada. A inocência daqueles dias, ah que doce, era como chocolate quente em meio ao frio: acalentador. Quem diria que viver tantos redemoinhos traria a isso aqui? Só sabe quem esperou, confiou e creu que veria um novo horizonte... E não é fácil fazer isso, não foi, e nunca será, mas vale a pena, cada minuto de esforço vale a pena. A graça de tudo é que a gente muda, tanto que não nos reconhecemos naqueles diários velhos, temos vergonha, rimos e falamos "que idiota, meu Deus". A gente é confuso eu sei, mas faz parte, do novo eu nascido a partir de um ser primitivo e inacabado lá atrás. Parece que existe um rio que nos lava das amarras, um rio de pessoas, experiências, um rio de verdades. Gostaria de me banhar nesse rio todos os dias até que não houvesse mais água ali, e então procuraria novas águas e conceitos para aprender e adicionar a mim, ao ser ambulante e em construção. Acho que é bom ir preparando novos diários, para que anos adiante repita este processo. Entrar nessa terapia não custa, é livre de taxas ou juros, rende gargalhadas, traz memórias variadas e ainda nos mostra que: ninguém é perfeito, ninguém é o melhor que consegue ser até ver o quão mais fraco já foi. A força advém do tempo, começa com passos delicados em sua direção, mas uma hora ou outra beija-lhe o rosto e convida para sair por aí. Conhecendo o mundo, conhecendo a si, conhecendo a graça de ser feliz sendo quem se tornou, apesar de quem já se foi um dia.

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